Elisa Batalha* (Mãe Convidada)
Cada lugar tem suas dores e delícias. Mas não anda muito fácil trazer novos brasileirinhos para o mundo. Aqui vão algumas razões.
- País campeão de cesarianas
As estatísticas não mentem jamais. Se apareceu o segundo tracinho no exame de gravidez da farmácia, e você vai ter o bebê no Brasil, você já tem mais chances de ser submetida a uma cesariana do que de passar por um parto normal. Independentemente do seu estado de saúde. Se você vai ter o bebê na rede privada, ihhh, aí então, o índice de mulheres entrando na faca sobe para mais de 80% de chance. Se você fica escandalizada, como eu fiquei quando estava grávida, tem que lutar muito contra todo um sistema para tentar o que aqui é considerado uma conquista (ou uma coisa “alternativa”): simplesmente não passar por uma cirurgia que você não precisa quando mamãe e bebê estão totalmente saudáveis.
- Licença maternidade micro
A regra da licença maternidade no país é de 120 dias. Quando a empresa é “legalzinha” (adere a um programa de benefícios fiscais), pode “deixar” a mulher em casa por 180 dias. O que importa se a OMS recomenda amamentação exclusiva até seis meses (e raríssimas empresas dispõem de creche)? E se o bebê nascer prematuro? A lei não flexibiliza em nada nesses casos.
- Licença paternidade simbólica
Você tem uma lupa? Vai precisar, para enxergar a licença paternidade. São apenas 5 dias para os trabalhadores comuns e 20 para os servidores públicos. Ih, não deu tempo de nada! Pois é, acabou.
- Creches públicas, onde?
Não é nada fácil conseguir uma vaga em uma creche pública no Brasil. Em regra, elas são escassas e muitas mulheres têm que deixar de trabalhar fora de casa ou deixar seus filhos com avós, empregadas domésticas ou outras pessoas. Praticamente nunca é o pai que tem a carreira alterada por causa da chegada de um novo membro na família, mas isso, acredito, não é diferente no resto do mundo.
- Espaços públicos degradados
Se você mora em uma grande cidade, mas não exatamente em um bairro muito privilegiado, não é fácil encontrar uma pracinha, e, quando encontra, se todos os brinquedos estiverem em perfeito estado, é muita sorte. Os espaços públicos são muitas vezes degradados e a insegurança nas grandes cidades é grande, o que atrapalha o seu passeio com o carrinho do bebê ou sling.
- Desigualdade social cria abismo entre crianças de escolas públicas e particulares
Esse é o assunto mais triste quando falamos do Brasil. Porque depende de em “qual Brasil” você está criando seu filho. Na classe média, ele ou ela pode ter qualidade de vida parecida com a de qualquer cidadão do mundo desenvolvido, mas essa é uma minoria no país. É um desafio para mães e pais de classe média não deixarem seus filhos viverem numa bolha, mas para aqueles abaixo da linha da pobreza, é mais desafiador ainda manter as crianças e tentar garantir um futuro com melhores condições de vida.
- Megaeventos nos aniversários
Eu curto à beça uma festa, mas vou ser sincera: somos um tantinho exagerados! Equipe de recreação contratada, mais de cem convidados para festa de um ano, som alto, casas de festa barulhentas e cheias de brinquedos eletrônicos. Quem nunca fez ou frequentou uma, e de repente pensou “parece uma guerra!”, ganha uma garrafinha de plástico de lembrança.
- Família (muito estendida)
Nos seus pais ou nos meus? A família estendida (avós, avôs, tios, cunhados, primos) é muito valorizada num país latino e de origem católica como o Brasil. Isso pode criar situações que dão um pouquinho mais de trabalho para administrar os ciúmes dos parentes (quando não são as tentativas de intromissão na criação) e organizar a agenda dos momentos de lazer. Mas também pode ser uma delícia, porque é uma disputa para ver quem pega o bebê no colo!
- Publicidade ainda voltada para crianças e consumismo everywhere
Na teoria, é proibida, mas, na TV aberta e no Youtube, a criança vai acabar exposta, e você não vai se ver livre daquele clássico “compra para mim?” inesperado e de um produto que talvez você sequer tenha ouvido falar.
- Alimentação junk food é a norma, não a exceção
“Como assim não pode dar bala? Coitadinho(a)?!” – Ai, gente, precisa falar mais alguma coisa?! Ir ao McDonalds é passeio, e os restaurantes que querem atrair um público familiar montam “prato infantil” porque a criança que come praticamente qualquer outra coisa além de batata frita já é admirada. Suspiros, suspiros profundos. Não estamos apontando o dedo para ninguém em particular (eu sei que é difícil, acredite). Já vi de tudo: desde quem dê refrigerante na mamadeira, até o outro extremo: filhos de pais que se recusam a dar açúcar comerem banana caramelada dada escondido pelos avós. Eu vi!
*Elisa Batalha é jornalista, professora de yoga, e mãe da Leila, de sete anos, uma supercompanheirinha de viagens, que adora brincar com Emmanuel, da Cíntia Cardoso-Delautre. Também é madrinha do Gabriel.
Para mim o pior problema é a violência. Não podemos sair de casa tranquilas para um simples passeio com os filhos no shopping pelo fantasma de servos assaltadas a mão armada com nossos pequenos no carro. Eu treinei meu filho (e muitas amigas também o fizeram) sobre o que fazer caso “o moço que rouba carros” aparecer. É uma agonia a simples ideia de nos imaginar sob a mira de armas com meu filho preso à cadeirinha do carro e eu tendo que negociar segundos para tirá-lo de lá são e salvo, e ainda rezar para que não resolvam “se divertir” atirando em nós sem motivo algum. Eu lido com tranquilidade com a maioria dos tópicos citados na medida em que muitos deles são um desafio, mas podem ser conduzidos à revelia do que está do lado de fora (posso ter um parto normal, posso não dar uma festa apoteótica para meu filho ou não deixá-lo tomar refrigerante, por exemplo). Isso se torna uma função na vida, mas depende muito de nós, pais e mães tb. A violência não nos dá essa opção. Eu não posso enclausurar meu filho em casa, não levá-lo para a escola ou para o médico porque “lá fora está muito violento”. Somos reféns. Reféns da ansiedade; do coração que dispara quando vemos algum episódio conturbado na rua e já pensamos o pior; da tensão de quando vemos uma blitz e não sabemos se são policiais e bandidos; do terror que pode se tornar uma inocente ida a um restaurante e, no meio de um tiroteio, seu filho, que está bincando no parquinho do estabelecimento, ser atingido e perder a vida. Para mim nada se compara ao horror que é ser minada a liberdade de uma família, a cada dia, a cada vez que pensamos em sair de casa para dar a nossos filhos algo tão essencial quanto uma vida livre, leve e saudável.
CurtirCurtido por 1 pessoa