No início de setembro, o furacão Irma – considerado o mais forte da História formado no Oceano Atlântico – devastou áreas de ilhas do Caribe. O saldo do furacão foi de 68 mortes nessas regiões e no estado norte-americano da Flórida, nos Estados Unidos.

A brasileira Carolina Camargo vive em Miami e foi uma das milhares de pessoas que deixaram a cidade temendo a catástrofe causada pelo furacão. Ela vive numa zona de evacuação obrigatória e teve que deixar a sua casa com a filha de pouco menos de um ano, o marido e o cachorro – sem saber se poderia voltar ou qual o destino que sua família teria.

Carol falou ao Mães no Mundo e relatou as angústias da viagem forçada para Atlanta – da qual pôde voltar uma semana depois que as autoridades permitiram a reintegração dos moradores às suas casas.

Leia abaixo o depoimento da nossa mãe convidada:

“Meu primeiro pensamento foi: preciso levar a Olivia e o [cachorro] Cappuccino para um lugar seguro. Não vou ficar em casa de jeito nenhum!

Quando começaram a falar do Irma no final de semana (02 e 03/09), eu tinha uma grande esperança que o furacão fosse desviar – eu já tinha tido uma experiência com ameaça de furacão no ano passado, com o [furacão] Matthew, que desviou. Você tem de estar preparado, com água e comida comprada para pelos menos cinco dias, carro abastecido, dinheiro na mão para emergências.

Nós moramos em Miami Beach, bem próximo do mar, em uma área que é rota de evacuação já prevista pelo governo da Flórida. Na terça-feira à tarde, eu comecei a procurar hotéis pet friendly em Orlando e praticamente já não tinha nada disponível. E o que tinha era impagável, tipo 600 dólares a diária. Temos um buldogue inglês, o Cappuccino. Ele tem dez anos. Veio do Brasil com a gente quando mudamos. É como se fosse um filho mesmo e eu jamais o deixaria para trás.

Desespero

Comecei a me desesperar. Meu marido estava super calmo e achava que o furacão iria desviar. Na quarta-feira de manhã, o governador da Flórida deu uma coletiva de imprensa sugerindo a evacuação das áreas pré-determinadas, onde moramos. Mas não era obrigatório sair.

Meu chefe me dispensou mais cedo do trabalho, eu fui ao supermercado tentar comprar água e já não tinha mais nada. Na segunda-feira (04/09), meu marido tinha comprado água pela Amazon e encomendado mais água para buscar no Walmart [supermercado]. Na terça-feira, a Amazon já avisou que a entrega atrasaria. Na quarta cedo, o Walmart mandou e-mail dizendo que também não teria a água para entregar.

Só tínhamos uma garrafinha de 500 ml em casa! Ele acabou conseguindo comprar dois pacotes de água na quarta à tarde na farmácia que tem perto de casa, além de dois garrafões.

Alguns postos já estavam sem gasolina e os que tinham estavam com filas enormes. Assim que eu cheguei em casa, comecei a arrumar as malas. À tarde, meu marido conseguiu fazer reservas em três hoteis em três cidades diferentes. O de Atlanta era o último da lista, onde ficaríamos entre sexta-feira até segunda-feira.

Como temos carros pequenos, ele fez a reserva de um carro utilitário esportivo (SUV) para podermos viajar com criança, cachorro e mais toda uma pequena mudança, com direto a berço portátil, carrinho de bebê, três malas, comida e pacotes de água… Por volta das cinco, ele foi buscar o carro na locadora e eles alegaram que não tinham mais carros grandes disponíveis e que ele poderia tentar em outra unidade da empresa localizada no aeroporto de Miami. Ele acatou o conselho e foi.

Ao voltar para casa, ele me avisou que o hotel em Ocala tinha mandado um e-mail alegando overbooking e cancelando nossa reserva. Sinceramente, eu já estava desesperada. Mas meu marido é bem calmo e tranquilo e ele ainda achava que o furacão ia desviar. Amamentei a Olivia, a coloquei para dormir e fui olhar o noticiário. Foi quando descobri que o Rick Scott [governador] tinha dado a ordem de evacuação obrigatória.

Eu deitei na cama e chorei. De nervoso, de preocupação, de medo. Não consegui dormir.

Às 5h, peguei a Olivia para amamentar e, logo depois, acordei meu marido dizendo que eu queria pegar a estrada o quanto antes. Nisso, boa parte das minhas amigas já tinha saído de Miami. Por mim, eu já teria saído na quarta [06/09, quando o furacão Irma atingiu o solo], mas, como ficamos sem hotel, realmente não teria como. Moramos na Flórida, aqui faz muito calor, então eu coloquei meia dúzia de shorts e camisetas na minha mala, além de um único casaco de frio.

Eu deitei na cama e chorei. De nervoso, de preocupação, de medo. Não consegui dormir.

Para a Olivia, eu peguei mais roupas, mas nada muito quente e apenas três brinquedos. Além de coisas básicas, pegamos todos os documentos para levar. Mas minha geladeira estava repleta de comida, fizemos café e deixamos o resto na máquina. Foi tão inconsciente que eu nem me lembrei de jogar alimentos que possivelmente poderiam estragar ou mesmo jogar o resto do café. Meu marido passou fita adesiva nas portas que dão para a varanda e colocou toalhas de banho no chão tentando evitar a entrada da água que viria com o furacão. Antes de ir embora, eu fiz uma foto do quarto da minha filha e uma foto da sala. E fechei a porta, chorando.

Papinhas

Eu sou um pouco chata com a alimentação da Olivia e, desde que ela fez seis meses, eu faço questão de fazer todas as papinhas que ela come. Ela come cinco tipos de papinhas diferentes, sempre duas “salgadas” e três de frutas misturadas. Então, peguei o maior refrigerador portátil que tínhamos e coloquei todo o meu estoque de papinhas nele e enchi de gelo (eu tinha uns 25 potinhos de vidro, que dariam até domingo). Por precaução, meu marido chegou a comprar algumas papinhas industrializadas, além de um biscoito para bebês para levarmos na viagem.

A Olivia estava super gripada e com uma infecção no ouvido. Então eu ainda tive de fazer um pacote com todos os remédios dela. Por incrível que pareça, o Cappuccino também estava com infecção de ouvido. E, fora isso, ele toma/usa vários remédios todos os dias. Eu fiz o pacote dele também, mas esqueci justamente o remédio para o ouvido! Também preparei uma sacola com ração, biscoitos e fraldas (de chão) para ele para vários dias.

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Mudança para onde? Com a ameaça do furacão, Carol não sabia se poderia voltar para casa

Destino incerto

Na quinta-feira, já estávamos na estrada quando a administração do prédio onde moramos mandou um e-mail dizendo que todos os moradores tinham de obrigatoriamente evacuar, que eles estavam dispensando todos os funcionários e lacrando as portas do edifício.

Além disso, o “olho” do furacão estava previsto para passar “em cima” da minha casa. E você começa a se perguntar: será que o prédio vai resistir mesmo? Será que nenhuma janela – todas são teoricamente à prova de furacão – vai estourar? É obrigatório tirar todos os móveis e objetos das varandas assim como guardar tudo o que você tem em seu quintal/jardim se mora em casa, mas sempre tem gente que não obedece às regras.

Destino incerto e jornada sem regras 

Eu fechei a porta sem ter ideia de quando poderia voltar. Saí com o coração apertado. É engraçado porque eu moro em Miami há quase cinco anos, mas ainda sempre pensava em São Paulo como “casa”. E essa foi a primeira vez que eu realmente pensei no apartamento onde eu moro atualmente como meu lar.

Eu não tive um minuto de paz durante toda a viagem. Primeiro por eu não conseguir parar de ver as notícias relativas ao furacão, eu passava os dias e as noites olhando os quatro aplicativos que baixei, além do Miami Herald, da CNN e do CBS Channel 4, fora os grupos de WhatsApp dos amigos e do trabalho, Facebook e Instagram.

Fora isso, imaginem fazer uma criança de dez meses passar mais de dez horas em uma cadeirinha de carro. Foi terrível. Saímos de Miami às 8h30 e só fomos chegar em Silver Springs à noite. Por causa do Cappuccino, não paramos para comer e ficamos apenas beliscando todos os lanches que tínhamos comprado para passar pelo furacão.

Paramos apenas duas vezes para ir ao banheiro, trocar a Olivia e deixar Cappuccino fazer suas necessidades. Quebrei (quase) todas as minhas regras! A Olivia não queria comer minhas papinhas de jeito nenhum! Apelei para iogurte, sticks de queijo, biscoito para bebês e papinha industrializada. Como ela nunca tinha comido papinha industrializada, não gostou e não quis comer. E a Olivia é super boa de garfo. Testei três marcas orgânicas diferentes e ela só quis algumas colheradas da opção com mais açúcar.

Tráfego intenso

O trânsito estava um horror, tudo completamente parado. 6,5 milhões de pessoas evacuando, boa parte delas pelas únicas duas estradas que seguem para o norte do estado e, pelo caminho, diversos postos sem gasolina. A estrada estava cheia de acidentes e engavetamentos.

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Na sexta-feira (08/09), foram mais dez horas de viagem no mesmo esquema do dia anterior, só que com o trânsito ainda pior. Quanto mais nos aproximávamos de Atlanta, mais o GPS mostrava que iria demorar para chegar.

Mundo paralelo

Nessa altura, o furacão tinha mudado sua rota e o olho já não ia mais passar na região de Miami. Então, as famílias de Naples, Tampa, Clearwater, St. Pete Beach estavam bem mais preocupadas. Porque o furacão pode ficar mudando de rota e só é possível prever com cerca de 2 dias de antecedência.

Só tínhamos reserva até segunda-feira (11/09) no hotel que estávamos em Atlanta e tivemos de levantar acampamento e mudar de hotel. Em Atlanta, o furacão chegou como uma tempestade tropical trazendo já no domingo à noite um tempo muito feio, chuva e frio. A cidade chegou a decretar ordem de recolher e vários negócios, especialmente restaurantes, fecharam. A Olivia continuava sem querer comer minhas papinhas e não estava dormindo nada à noite.

Como o Cappuccino não estava conseguindo dormir pela dor no ouvido, o levamos ao veterinário no sábado de manhã e à tarde fomos até o centro da cidade para almoçar. No Centennial Olympic Park, construído para a Olimpíada de 1996, ninguém parecia estar pensando no furacão e eu via muitos brasileiros por toda parte.

A fila para a roda-gigante e para o Aquário estavam enormes. Brinquei que eu era única pessoa preocupada com o furacão. Eu tive amigas que decidiram ficar em Miami e estava bastante preocupada com elas.

A volta

Ficamos fora de casa por uma semana, mas foram dois dias para chegar em Atlanta e mais dois dias para voltar. Nosso prédio voltou a ter energia na quarta-feira (13/09) – o que foi rápido considerando que até a quarta-feira seguinte (20/09), ainda havia várias pessoas sem energia em casa.

Saímos de Atlanta assim que soubemos disso. Não teríamos como ter voltado antes porque não daria para subir 30 lances de escada com bebê e cachorro, além de ficar em casa sem energia. Também estávamos com receio do trânsito e de não achar gasolina.

Pegamos trânsito, mas a volta foi mais tranquila. O problema é que a Olivia não queria ficar de jeito nenhum na cadeirinha e chorou bastante. Aliás, até agora, ela vê a cadeirinha e chora, se joga.

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A pequena Olivia e o buldogue Cappuccino: estresse e exaustão na viagem

Chegando em casa, senti um grande alívio. Eu estava exausta e não via a hora de voltar.

Em casa, entrou um pouco de água da varanda para a sala e o apartamento estava cheirando a mofo. A água chegou a molhar o tapete da sala e tivemos que jogá-lo fora. Nada se comparado a famílias das ilhas do Caribe e das Florida Keys, que perderam tudo e viram suas casas completamente destruídas.

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