Por Renate Krieger

Na primeira semana de creche da minha filhinha mais nova, hoje com um ano e meio, vi com alegria que as bonecas que a educadora colocou à disposição das crianças para brincar eram negras.

Foi uma surpresa agradável para alguém que vive na Alemanha, onde a pergunta “de onde você vem?” frequentemente ultrapassa a curiosidade cordial para – muitas vezes de forma até inconsciente – estereotipar pessoas que não se encaixam no conceito da aparência de uma alemã ou de um alemão. “Essa imagem de que os alemães são brancos, loiros e de olhos azuis nunca foi correta, nunca será. Isso é um mito”, diz a apresentadora de TV Jana Pareigis, autora do documentário Afro.Germany, sobre ser negro na Alemanha (o documentário está em inglês no link).

Sou mãe de duas meninas e cresci numa família com três filhas mulheres – sei que, em algum momento, o preconceito em relação às mulheres vai chegar às minhas filhas de alguma forma. Mas, na minha infância no Brasil, gozei dos privilégios de ser parte da elite branca brasileira.

Meu desejo é conseguir transmitir às minhas filhas como combater o preconceito para que elas não reproduzam comportamentos racistas. Abaixo, algumas reflexões a respeito.

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  1. Aproveitar oportunidades no dia a dia

Minha filha mais velha, de três anos e meio, já mencionou vez ou outra os coleguinhas negros da creche, falando especificamente da cor da pele. Ou seja: ela percebe que há uma diferença na aparência.

Aproveitei essas pequenas oportunidades para conversar com ela sobre esses coleguinhas, sem falar da cor da pele. Não fingi que essa diferença não existe, mas aproveitei para destacar as características pessoais dos amiguinhos e amiguinhas. Não cabe a mim definir uma pessoa pela cor da pele, origem, gênero, orientação sexual, deficiência etc.

Também fico feliz com o fato de a creche seguir um princípio de inclusão muito claro: todos são diferentes, mas convivem num ambiente aberto ao aprendizado mútuo a partir dessa unicidade.

  1. Educar quem está à sua volta

Esse fenômeno não é exclusivo da Alemanha, mas por aqui o racismo, a xenofobia e o machismo existem no cotidiano sim – muitas vezes, de forma tão naturalizada que muita gente nem toma consciência de que discrimina pessoas à volta.

É nessas situações aparentemente inocentes que eu tento sempre comentar – quando possível, de forma positiva (e não agressiva) – esse preconceito.

Uma pessoa próxima estava falando com a minha filha mais velha, outro dia, sobre um catálogo de Natal de um supermercado. Houve duas páginas que chamaram a atenção: uma com brinquedos de “menina” (bonecas do Frozen) e outra de “menino” (carros).

Não deixei barato o comentário do adulto sobre “ah, esses brinquedos não são de menina”: disse na hora que meninas também gostam de brincar de carro e meninos, de boneca. Mas não iniciei uma discussão longa e formal sobre o assunto porque meu objetivo principal é mostrar à minha filha que eu não me calo quando há uma situação de preconceito. Essa é uma luta de todos.

Reajo da mesma forma com gracinhas, piadinhas e comentários racistas. E, quem sabe, minha reação não faz o adulto autor desses comentários pensar melhor sobre as próprias concepções?

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  1. Questionar comportamentos adquiridos

Quando me mudei para os Estados Unidos com minha pequena família, em 2015, tinha passado quase dez anos na Alemanha e admito que cheguei a me acostumar com a frase “De onde você vem?”, sem questioná-la muito.

O motivo do não-questionamento é: minha profissão de jornalista pressupõe curiosidade e eu nunca encarei essa pergunta como uma expressão de preconceito, e sim como uma forma de conhecer melhor a história das pessoas.

Mas, nos EUA, ninguém me perguntava de onde eu era, a não ser que eu falasse espontaneamente no assunto – e isso me fazia sentir tratada como igual, como uma página em branco que a experiência no país ainda poderia preencher de mil formas diferentes.

Lembrei de uma entrevista (em francês) que fiz com o autor congolês Wilfried N’Sondé em Berlim, há alguns anos. Na época, ele disse: “O que se espera, realmente, de uma pessoa quando se pergunta a ela ‘de onde você é?’ Ela vem do apartamento dela?”.

Eu não deixei de ser curiosa nem de perguntar de onde as pessoas vem quando o contexto permite. Mas essa é a diferença entre o passado e agora: uma atenção especial com atitudes precipitadas minhas para colocar as pessoas em determinadas caixinhas.

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