Por Cíntia Cardoso e Renate Krieger
No último domingo (14/05), Dia das Mães no Brasil, jornal espanhol El País publicou um texto nosso relatando as nossas experiências como mães que tiveram privilégio de viver a maternidade em alguns países do mundo.
Como as nossas aventuras são numerosas, publicamos abaixo uma versão “sem cortes”.
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Ser uma mãe brasileira no exterior é ter que se equilibrar entre o mimetismo com a cultura local, as referências da infância no Brasil e a distância da própria mãe cujos sábios conselhos serão, muitas vezes, substituídos por buscas desesperadas no Google (“bebê pode dormir sem arrotar”, “como tirar dente de leite sem dor”, “métodos naturais para acabar com cólica de bebê”, “simpatia para curar soluço”, “como tirar inchaço de picadas de mosquito”).
Fora do país de origem, também aumenta tudo: as saudades da família, o desejo de se ter uma avó e um avô para ajudar a cuidar das crianças, a culpa por avós e netos não conviverem tanto e por sua relação à distância acabar muito apoiada na comunicação pela internet (mas graças pela internet!!). Por outro lado, há uma vantagem na distância: com meios, você, seus filhos e seus pais também viajam e conhecem novas culturas e jeitos de ser uma família (globalizada).
Vivendo e observando o cotidiano de mães na França, na Suíça, na Alemanha, no Egito, nos Estados Unidos e no Marrocos, compreendemos que, ao mesmo tempo em que mães de todo o mundo passam pelas mesmas preocupações, ansiedades, aflições, alegrias e amor pelos filhos, a forma de ser mãe varia imensamente de uma cultura para outra – até porque os desafios enfrentados pelas mães, inúmeras vezes, são bem diversificados.
Sendo brasileiras, o choque de realidades é inevitável, mas felizmente o aprendizado é constante. E eis o que aprendemos e continuamos aprendendo com as mães ao redor do mundo.
1. Détends-toi et prends un verre (relaxe e tome uns bons drinks, dizem as francesas)
Talvez as crianças francesas façam menos manha porque as mães não passam o tempo todo correndo atrás dos seus pimpolhos. Na pracinha, mais de uma vez, presenciamos mães e avós tomando confortavelmente seus drinks enquanto as crianças sobem em árvores, se jogam dos brinquedos, comem areia etc. No máximo, uma bronca chique estilo “Fulaninho, mamãe não concorda com o que você está fazendo”. Ou algum xingamento que parece bonito e classudo porque é feito em francês.
Adoraríamos ser tão glamurosas quanto as mães parisienses que nunca ficam descabeladas, mas continuamos gritando nas pracinhas.
2. Não existe tempo frio demais. Você é que colocou a roupa errada, dizem mães alemãs
Você já achou estranho ou até engraçado os alemães usarem muito a chamada ‘roupa funcional’ em vez de optar pelo ‘chique, mas desconfortável’ (atenção que não estamos falando de sandálias com meias)? Pois as mães alemãs riem por último.
Já ouvimos e repetimos milhões de vezes a frase “nobody moves to Germany because of the weather” (“ninguém se muda para a Alemanha por causa do tempo [bom]”).
Os invernos aparentemente eternos são escuros, têm dias curtos, chuva, granizo e neve em várias regiões do país. Sol e céu azul viram raridade e o tempo nublado deixa a gente altamente macambúzia. Como o verão, às vezes, também deixa a desejar, não é de se admirar que os alemães pratiquem com afinco aquilo que consideramos sua atitude preferida: viajar, viajar e viajar. Ou seja: tempo mau não é desculpa para deixar de sair de casa.
3. Se o teu filho não come, deve ser porque ele, simplesmente, não está com fome
Na França, país onde a refeição é um verdadeiro ritual, as escolas incentivam os alunos a provarem de tudo. Não entendemos ainda qual é a mágica, mas é verdade que as crianças se mostram mais receptivas a novos sabores. Na Alemanha, uma máxima que se ouve muito de pediatras, mas também em livros sobre nutrição, é que “as crianças comem/bebem o que precisam” (e se manifestam de acordo).
Isso nos tirou um peso das costas. Claro que continuamos oferecendo frutas, legumes e tentando preparar refeições equilibradas, mas sem o desespero que leva muitas mães a fazerem chantagem emocional (“mamãe vai chorar se você não comer”) ou dramas geopolíticos (“há crianças passando fome no Sudão do Sul e você não quer comer”) ou fazer aviãozinho e esculturas de legumes. Se o filho, filha, filhx não quis comer nessa refeição, vai comer na próxima. Fim.
Internalizar esse conceito foi fácil. Difícil é convencer as avós brasileiras (e polonesas também).
4. Misture o Brasil com o Egito
Nos últimos anos, o chamado jeitinho brasileiro de improvisar (ou ignorar regras) vem sendo bastante criticado tanto fora quanto dentro do país, mas confessamos que foi extremamente útil durante o ano em que vivemos na cidade egípcia de Damietta, no delta do Nilo, a cerca de 200 km de Alexandria.
A capacidade de improvisação é uma qualidade valiosa num contexto onde praticamente tudo o que considerávamos óbvio no nosso cotidiano na Alemanha e no Brasil passou a ser uma conquista. Por exemplo, ter eletricidade dentro de casa chegou a ser questão de sorte durante alguns meses, quando o abastecimento caía umas oito vezes por dia (!). Passamos a nos perguntar como manter a casa fresca o suficiente com temperaturas exteriores de 40°C – e confessamos que nem maldizemos mais tanto o frio alemão…

Mas a diferença mais gritante entre a forma de ser mãe em países europeus ou no Brasil e um país como o Egito era a invisibilidade das mães no cotidiano.
Não se vê mães em cafés, amamentando em público ou saindo sozinhas com os filhos (a não ser que esses fossem homens). Porém, nas raras vezes em que conseguimos nos aproximar um pouco mais dos egípcios, encontramos famílias com simpatia de sobra e vontade de ajudar os estrangeiros a entenderem a língua local e os costumes.
5. Nos EUA, cuide dos filhos dos outros como se fossem seus
Antes de ir morar em Iowa, nos EUA, ouvíamos muitas críticas, especialmente de europeus, sobre a superficialidade das relações interpessoais, ou a abordagem dos americanos uns com os outros e com estrangeiros.
É fato que se pode ter uma conversa longa com o vendedor da loja, o atendente da biblioteca ou alguém no supermercado ou na sala de espera do médico, sem nunca ter visto antes nem nunca mais encontrar aquela pessoa.
Num churrasco onde conhecíamos apenas um casal, porém, todos os presentes foram extremamente solícitos para cuidar da nossa filha mais velha (eu fiquei cuidando da mais nova quando ela não estava dormindo). Não a forçavam a falar com eles (ela ainda não entendia muito bem o inglês), mas a incluíam nas brincadeiras com as outras crianças e sempre sabiam onde ela estava. Ela teve o mesmo tipo de tratamento na creche onde a inscrevemos. A diretora sabia de tudo o que estava acontecendo com todas as crianças.
Mudando para os EUA a partir de um país como a Alemanha, onde a rede de serviços sociais é muito forte, ficamos positivamente surpresos com a forma como os americanos são unidos em suas comunidades, numa linha ‘família instantânea’. Eles tomam a iniciativa sem esperar benefícios da política e têm uma atitude muito acolhedora e bondosa (prêmio extra para a equipe de pediatras da clínica infantil da cidade de Burlington. Eles sempre tomavam tempo para resolver as nossas dúvidas de adaptação das vacinas das crianças, por exemplo).

6. Sua criança está bem? Então relaxe e aproveite a viagem, aconselha mãe nômade
Várias vezes, nos questionamos se criar duas meninas pequenas num motorhome, durante uma viagem de cerca de sete meses por Espanha, Portugal, Marrocos e França faz sentido – até que encontramos pessoas que fazem viagens longas em carros muito menores que o nosso colosso de sete metros de comprimento.
Tem família com três crianças e cachorro numa van da Volkswagen, com a mulher grávida do quarto filho, e mãe solteira viajando num motorhome próprio com o filho de um ano. A melhor coisa, então, é relaxar e aproveitar a paisagem e o privilégio de poder dar à filha de três anos uma caixinha de areia do tamanho do deserto em Erg Chebbi, no Marrocos.
O maior aprendizado de uma jornada como essa é a convivência em família, que fica muito mais unida, e o fato de não precisarmos de muito para viver – como os marroquinos, as compras são feitas aos pouquinhos e quando há necessidade e dinheiro para tal, para que nada seja desperdiçado.
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