Por Renate Krieger

Até os pouco mais de seis meses de gestação, a paulistana Karen Van Driel-Silva viveu uma gravidez tranquila, vendo a barriga crescer e com poucas semanas de enjoos. Aproveitou os últimos períodos ‘a sós’ com o marido holandês para viajar para a Toscana, na Itália, e para o Brasil, para visitar a família. “Me sentia super disposta. Fiz yoga, andava bastante em todas as viagens, trabalhava em tempo integral. Tirando o incômodo do inchaço estava curtindo muito a gravidez e os exames estavam todos normais. Por isso não consegui acreditar quando os exames começaram a mostrar que eu estava muito doente e que eu e meu bebê corríamos risco”, contou Karen, em entrevista por e-mail ao Mães no Mundo.

A mãe do Maximilian, que completa dois anos em agosto, teve a síndrome de HELLP durante a gravidez. Pouco conhecido, o distúrbio é considerado uma complicação da pré-eclâmpsia (uma disfunção dos vasos sanguíneos na gestação, também definida como uma hipertensão gravídica), mas parece não haver consenso se se trata de uma ‘entidade’ própria – às vezes, os sintomas da HELLP ocorrem sem que haja sido feito um diagnóstico de pré-eclâmpsia.

Descobrir essa rara doença é muito difícil por causa dos sintomas semelhantes aos da pré-eclâmpsia e outras complicações ou ocorrências comuns da gravidez, como fortes dores de cabeça, pressão arterial alta, edemas (inchaço) e visão distorcida. Os sintomas mais comuns citados em alguns sites na internet incluem dor perto da boca do estômago, náusea e vômitos que ficam cada vez piores, dores de cabeça e fadiga.

A disfunção coloca em risco a mãe e o bebê e pode provocar insuficiência renal, problemas no fígado ou edema no pulmão (informações resumidas sobre a síndrome de HELLP você encontra aqui e também aqui, em inglês – este último site cita que a doença rara afetaria entre 0.2% e 0.6% das gestações).

HELLP, considerada um distúrbio hipertensivo, é a sigla em inglês para:

H – Hemólise (Hemolytic anemia, em inglês; destruição dos glóbulos vermelhos, num ritmo mais rápido que a capacidade de produção dos mesmos pela medula óssea);

EL – Enzimas hepáticas elevadas (Elevated Liver enzymes, em inglês, ou valores elevados das enzimas do fígado. Um dos sintomas é essa disfunção do órgão, às vezes perceptível com dores fortes do lado direito da barriga);

LP – Baixa contagem de plaquetas (Low Platelet count, em inglês).

Montanha russa

Quando chegou à 26a semana de gravidez (seis meses e meio), Karen começou a ter inchaço no corpo – mas, como seus pés sempre haviam inchado no verão brasileiro e era verão na Europa, achou que fosse um efeito comum da gestação.

“Me lembro de ter reclamado para a parteira que fazia meu pré-natal sobre o inchaço quando estava com 28 semanas. Ela checou minha pressão e disse que era normal porque era verão e eu estava grávida”, diz Karen. “Como ela não demonstrou preocupação, eu também não me preocupei muito, então marcamos a consulta seguinte para 31 semanas e assim ficou. Só que o inchaço, que antes desaparecia de madrugada, passou a ser constante e piorar”, relata.

September 6th - Max with Mama
Karen com seu filho Max, que teve de ser internado na UTI neonatal após cesárea de emergência: “o único tratamento é o parto”, explica

Após muita insistência do marido e de uma amiga, que também estava grávida na época, Karen marcou um horário com a médica de família, apenas alguns dias antes da consulta rotineira com a parteira. Todos levaram um susto: a pressão de Karen estava em 16/10 – o valor comum dela é de 11/7, e a pressão arterial ideal é considerada, no máximo, 12/8).

“Calmamente, ela [a médica] me perguntou onde meu marido estava e entrou em contato com o ginecologista do hospital onde eu pretendia dar à luz. Me pediu para ir imediatamente para o hospital. Meu marido me pegou no consultório e fomos. Chegando lá fizemos exames e, além da pressão alta, tinha uma quantidade alta de proteína na minha urina [outro sintoma da HELLP] e os valores do meu fígado estavam alterados”, conta Karen.

Foi a partir desse momento que a vida de Karen e do marido virou de cabeça para baixo. “Tudo foi acontecendo tão rápido que eu mal conseguia assimilar. Fui internada, fiz uma bateria de exames, vi um kit de primeiros socorros para pré-eclâmpsia ser colocado no meu quarto. Não entendia direito o que estava acontecendo comigo mas, apesar da medicação, minha pressão não descia pra menos de 14/9 e eu continuava inchando mais”, descreve.

Alguns dias depois, Karen teve alta, com ordens de voltar ao hospital para ser monitorada a cada dois dias. Passou apenas um dia em casa. No primeiro controle, teve que ficar no hospital e foi transferida, de ambulância, para um hospital universitário em Roterdã, tido como o maior e mais renomado da Europa.

Emergência

Dois dias depois de chegar ao hospital em Roterdã – ou seja, menos de uma semana depois da primeira consulta com a médica de família – Karen passou por uma cirurgia cesárea de emergência. “Os médicos não conseguiram manter minha pressão estável, meus exames continuavam muito alterados, eu fui inchando mais e me sentindo cada vez mais doente e o Max começou a se mexer menos na minha barriga. Eles tiveram que literalmente ‘tirá-lo’ de dentro de mim”, conta a brasileira.

Ela só soube do perigo que correu – e também descobriu o nome da doença – cinco dias após o parto de Max, depois de ser transferida para um centro especializado em partos em Dirksland. “Antes e durante a cirurgia, foi tudo muito rápido e os médicos só falavam que eu estava muito doente. Vi o termo ‘síndrome de HELLP’ apenas no prontuário desse centro e também depois, na médica da família”, diz Karen.

“Só tínhamos 32 semanas e 1 dia de gestação e não tínhamos nada pronto em casa ainda para a sua chegada. Eu perdi muito sangue durante o parto, tive que passar por uma transfusão de sangue e plaquetas e ser internada na UTI. O Max teve que ir para a UTI neonatal.”

“A HELLP é mesmo conhecida por ser uma doença que se desenvolve repentinamente e foge do controle rapidamente. Mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia geralmente conseguem levar a gravidez até o final ou quase, com ajuda de medicação e controle médico. Infelizmente, no caso da HELLP, o único tratamento é o parto. É como se o corpo da mãe estivesse rejeitando o bebê, então a única solução para que a mãe sobreviva e melhore é tirar o bebê de dentro dela. Se os médicos não forem rápidos o suficiente, mãe e criança podem perder a vida”, explica Karen.

September 9th - IC II - Sophia Ziekenhuis (1)
Max ficou 49 dias internado num hospital a 30 km da casa de Karen, que ia visitá-lo diariamente

“Nada confortava meu coração”

Em seu blog, Karen conta que o pequeno Max – que nasceu com pouco mais de 1,5 kg e 39 cm – ficou 49 dias internado. Foram dez dias na UTI em Roterdã, onde ele nasceu, e os demais na unidade infantil de um hospital em Dirksland – a 30 km de Brielle, cidade onde Karen morava na época.

Quando os dois estavam internados, a mamãe recém-nascida podia ver o filho quando queria. A situação, porém, se complicou quando ela teve alta e o bebê precisou continuar sendo tratado. Como perdeu mais de dois litros de sangue durante a cesárea de emergência, a recuperação de Karen foi difícil. Num texto publicado na época do parto, ela conta que tomou remédios para pressão por quase dois meses, se sentia sempre exausta e com muita dor no corte da cirurgia. “Mesmo assim, quando me senti um pouco melhor mas ainda não podia dirigir, pegava três ônibus pra ir ver o Max de manhã e voltava pra casa só à noite com o meu marido. Depois, quando eu já podia dirigir mas ele continuava no hospital, eu ia vê-lo duas vezes por dia – uma de manhã e uma à noite”, escreveu.

“Não importava o quanto eu escutava que ia ficar tudo bem, quantos casos eu ouvia diariamente de amigos e colegas sobre crianças que tinham nascido prematuramente e hoje eram adultos saudáveis, o quanto eu, que cresci no espiritismo, acreditasse que tudo tinha uma razão de ser e que eu tinha que passar por aquilo… nada confortava o meu coração. Eu chorava todos os dias e ligava para o hospital assim que acordava e antes de ir dormir (às vezes também durante a madrugada) para saber como o meu filho estava. Foram os dois meses mais difíceis de toda a minha vida. Eu aprendi muito e fiquei mais forte mas até hoje choro quando paro para pensar em tudo. Eu não desejo o que passei para ninguém.”

Bebê prematuro

O choque com a descoberta da doença e a situação de emergência passada por Karen fez com que, segundo ela, a alegre ansiedade da espera pelo seu primeiro bebê fosse atropelada como por um trator gigantesco. “Eu não estava pronta para ser mãe. Não tinha feito os cursos que tinha agendado, não tinha visitado a maternidade, não tinha lido os livros que ainda pretendia ler…”, lembra.

Em vez disso, Karen passou a sentir uma enorme pressão, já que o desenvolvimento de um bebê prematuro fora do útero não equivale ao que a criança teria tido dentro da barriga da mãe. Durante o primeiro ano de vida, a evolução de Max foi acompanhada por um pediatra do hospital e por uma fisioterapeuta. “Para nós, qualquer desvio do normal era importante. Ele TINHA que conseguir ficar de bruços, TINHA que conseguir virar a cabeça pros dois lados, TINHA que rolar, TINHA que sentar, TINHA que engatinhar. Tínhamos que acompanhar os parâmetros todos sempre”, explica.

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Karen com o marido, Werner, e Max, que completa dois anos em agosto

Dois meses após o seu nascimento, Max teve alta e saiu do hospital com quase 3,4 kg. Mas demorou para que a pequena família desenvolvesse uma rotina relativamente tranquila, já que o bebê era “muito sensível e muito difícil”, segundo Karen, que o descreve como uma criança que dormia mal e pouco, tinha muitas cólicas e que ficava tensa com visitas – um comportamento que mudou com o tempo e que ela vê como normal para um bebê que lutou tanto pela própria vida.

A convicção de Karen e de seu marido Werner de não aumentar a família também mudou. “Nos primeiros 6 ou 7 meses do Max estávamos decididos de que ele seria filho único. As chances de eu desenvolver HELLP novamente são de 20 a 25% e eu não queria arriscar de jeito algum. Mas aos poucos o trauma foi passando, nós fomos amolecendo e a vontade de dar um irmão ou irmã ao Max, aumentando. Eu fiz um exame genético no Brasil que não acusou nenhuma alteração e agora estou pesquisando tratamentos alternativos para a síndrome dos ovários micropolicísticos (eu tenho desde os 20 anos), que é frequentemente ligada a complicações na gestação das quais eu não tinha o menor conhecimento. O plano não é para agora mas pretendemos tentar uma segunda gravidez”, planeja.

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Observação: esta matéria foi editada para esclarecer que a Síndrome de HELLP é um distúrbio raro e que, segundo este site, ocorre entre 0.2 e 0.6% das gestações.

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