Uma das perguntas mais frequentes para mães que decidem – e conseguem – amamentar seus filhos é: até quando?

A nossa mãe convidada desta semana, Cristiana Bertazoni, amamenta em livre demanda o filho de quatro anos – e relata que já encarou muito preconceito e ceticismo por causa disso.

Quando morou em Cingapura, a historiadora fez amizades com algumas mamães estrangeiras que, todas, amamentaram os filhos e filhas durante vários anos. Assim, dar de mamar para o Theo, filho da Cristiana, de forma prolongada foi algo que ela encarou como natural desde o princípio, apesar de, em Cingapura, a amamentação não parecer ser tão comum por causa da licença maternidade curta (de quatro meses). “Não achei que fosse amamentar tanto e por tanto tempo”, disse Cristiana ao Mães no Mundo.

Em seu texto, a também antropóloga que hoje vive na Alemanha dá algumas ideias de como questionar a visão que se tem hoje, em muitas sociedades, da maternidade em geral e da amamentação em particular – e apresenta algumas alternativas para a forma como enxergamos o aleitamento materno – especialmente o de longa duração.

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Há exatos quatro anos, começava uma longa caminhada que dura até os dias de hoje, uma jornada que me trouxe muitas transformações e muito aprendizado: a amamentação prolongada.

Theo nasceu em Londres, mas, quando ele estava com nove meses, nos mudamos para Cingapura, onde moramos por dois anos antes de nos mudarmos para a Alemanha, onde vivemos atualmente. Durante esse período, aproveitamos para visitar alguns países do Sudoeste Asiático.

Eu passei os últimos quatro anos amamentando em livre demanda e, quando necessário, em público e em muitos países. Essa experiência me deu uma oportunidade única de observar a reação das pessoas diante da amamentação prolongada e em público.

Adicionalmente, me permitiu também conversar com muitas mães de diferentes culturas sobre o tema. Não fiquei surpresa ao notar que, independentemente do país, da língua e da cultura, tínhamos muitas preocupações e receios em comum.

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Cristiana e Theo durante a temporada que passaram na Ásia

 

Havia lido bastante sobre aleitamento materno e estava ciente dos inúmeros problemas e dificuldades que muitas mulheres encontram durante o processo de amamentar. Imaginava que, comigo, também seria semelhante.

Porém, para minha surpresa, tive a sorte de praticamente não ter tido nenhum problema relacionado à amamentação: havia leite em abundância, não tive problemas com os seios doloridos, amamentava em livre demanda e Theo e eu gostávamos muito dos momentos da amamentação. Nunca havia imaginado ou planejado amamentar tanto e por tanto tempo.

O maior desafio de amamentar não veio da amamentação em si, mas da reação – na maioria das vezes, negativa – das pessoas ao saberem que amamento uma criança de quatro anos. Os comentários e as situações foram muitos. Alguns exemplos abaixo:

“Quando você vai parar de amamentar? Seu filho ficará desnutrido se você não parar de dar leite materno a ele.”

 “Se você quiser, posso te ensinar alguns truques para ele parar de amamentar: passe pimenta no bico dos seios e ele vai parar na mesma hora.”

 Por vezes, os desafios vinham de onde eu menos esperava, como de uma pediatra na ocasião de uma primeira consulta aqui na Alemanha.

Pediatra: Seu filho amamentou?

Eu: Sim. Bastante. 

Pediatra: Até quantos anos?

Eu: Ele ainda amamenta.

Nunca me esqueço da expressão de choque misturada com surpresa da pediatra e de sua assistente, que quebrou o silêncio e soltou um sonoro: “Verdade?”. Não me restou outra opção senão trocar de pediatra.

Felizmente, Theo e eu somos bastante teimosos e nunca demos bola para tais comentários e reações. Tenho também que dar créditos ao meu marido que, como eu, sempre valorizou muito a importância do aleitamento materno. Ele foi um ponto de apoio importante nessa jornada, principalmente nos momentos difíceis, quando me sentia pressionada a parar de amamentar.

Amamentação é luta contra o preconceito

O tempo foi passando e gradualmente fui me interessando cada vez mais pelo tema. Quanto mais amamentava, mais me sentia confortável e contente em poder proporcionar leite materno. Mas, simultaneamente, notava que algo estava fora do lugar.

Por exemplo, por que eu tinha que me esconder (ou esconder o Theo) enquanto amamentava em público? Por que uma amiga foi convidada a se retirar de um restaurante porque estava amamentando seu filho? Por que eu me sentia obrigada a justificar a amamentação prolongada? Por que, no início, me sentia culpada e com vergonha de amamentar em público?

Afinal, estava apenas alimentando uma criança e certamente os seios das propagandas de lingerie não chocavam a ninguém, então certamente os seios de amamentar também não chocariam.

Antes de me tornar mãe, pensava que a amamentação era algo majoritariamente relacionado à nutrição de bebês. Logo nas primeiras semanas, ficou claro que amamentação era muito mais que apenas nutrição: era amor, carinho, segurança,  conforto, aconchego e muitas outras coisas a mais que apenas alimento.

Naquela época, eu não podia imaginar o turbilhão de descobertas que a amamentação iria me proporcionar. Hoje essa história é bem diferente e compreendo o ato de amamentar como sendo parte de uma rede intrincada de questões diversas que aborda, por exemplo, a saúde pública,  questões de gênero, licença maternidade (e paternidade) e também a forma como a nossa sociedade está organizada.

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Livre demanda: Cristiana amamenta Theo há quatro anos

Aprendi que amamentar é uma questão de saúde pública porque permite que milhares de mulheres possam alimentar seus bebês de forma direta, evitando assim o uso de mamadeiras que precisam ser esterilizadas e demandam níveis mínimos de higiene. Infelizmente, milhares de famílias no mundo todo ainda não tem acesso a água potável e limpa em pleno século XXI. Para milhares de bebês recém-nascidos, o leite materno representa muito mais do que apenas nutrição básica: representa a possibilidade de sobrevivência em circunstâncias pouco favoráveis.

Amamentar em público é também um ato cidadão, no sentido de reocupar e ressignificar os usos do espaço público onde as pessoas – e não as coisas e as mercadorias – estão no centro. Onde, antes de sermos vistos como consumidores, sejamos vistos como seres humanos. Acredito que, quanto mais mulheres amamentarem em público, mais pessoas perceberão esse ato como sendo natural. E espero que, a partir daí, nenhuma mãe seja mais convidada a se retirar de locais públicos ou tenha que enfrentar olhares de desaprovação.

O tema da amamentação nos convida também a repensar a forma como o trabalho está estruturado, visto que, a exemplo do Brasil, milhares de mulheres são forçadas a voltarem aos seus respectivos empregos apenas quatro meses depois do nascimento de seus bebês, mesmo quando a recomendação da Organização Mundial da Saúde é para que amamentem até pelo menos os seis meses de vida da criança.

Amamentação e feminismo 

Dizem que nasce um filho e, simultaneamente, nasce uma mãe. Eu diria que nasce também uma feminista, ou melhor, nasce um ser humano que, mais do que nunca, enfrenta um mundo que, infelizmente, ainda vê a maternidade e todo o trabalho que ela envolve como algo menor e que tem menos valor que outros trabalhos.

Descobri que amamentar pode ser também um ato feminista, que bate de frente com a objetificação do corpo feminino. Representa um símbolo contra a mercantilização de nossos seios, que são utilizados para a venda de produtos.

Assim, amamentar em público representa a possibilidade de ressignificação do corpo feminino através de sua (re)humanização, contrariando a narrativa que tende a enxergar o corpo das mulheres como fragmentos ou partes erotizadas e destituídas de qualquer humanidade. É uma questão que está no centro dos debates feministas.

 

Finalmente, espero que esse relato sirva como uma pequena inspiração para aquelas mães que estão passando pelas mesmas situações e inseguranças. Vocês não estão sozinhas.

Mais do que nunca, espero que, daqui a alguns anos, o Theo leia esse texto e me diga que o acha retrógrado e me pergunte porque as coisas eram assim, e que nós dois possamos sorrir juntos, pois viveremos em uma sociedade onde as mulheres não serão criticadas por amamentarem pouco ou muito, e que sejam respeitadas por suas escolhas e possibilidades.

Mais importante ainda, espero que, daqui a alguns anos, possamos viver em uma sociedade um pouco mais igualitária, onde a maternidade não seja vista como uma responsabilidade majoritariamente feminina, mas sim da sociedade inteira.

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Cristiana Bertazoni
é mãe do Theodoro, de quatro anos. É historiadora e arqueóloga formada pela USP, com doutorado em História Pré-Colombiana da Universidade de Essex, na Inglaterra, onde viveu por quase dez anos. Morou em Cingapura por dois anos por causa do trabalho de seu marido, que é alemão. Atualmente reside em Bonn, Alemanha.

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