Por Renate Krieger
Há quase três semanas, voltei a trabalhar na Alemanha após três anos (sim, você leu direito: é possível) de licença maternidade. Em três anos, vivi em dois países diferentes e viajei por alguns outros – mas a principal mudança, apesar das frequentes mudanças físicas de lugar, foi interior.
Assumi outra identidade – porque renasci como mãe. Foram três anos de aprendizado sobre a maternidade e, especialmente, sobre mim mesma nela.
Agora, apesar de temê-lo porque ele significa romper muitas amarras que me ligam às minhas filhas, voltar ao trabalho foi um passo que quis e precisei muito dar. Ao escrever essas palavras, mas não só, me dou conta do privilégio que tenho de poder escolher o momento – e o formato – desse retorno.
É essa consciência que norteou a pesquisa para a lista desse texto – mesmo achando que não se deve idealizar as soluções encontradas aqui na Alemanha para conciliar maternidade e trabalho. Afinal, ainda que haja uma tendência de reverter os números, o país continua sendo um dos locais com a mais baixa taxa de natalidade do mundo.
A lista abaixo não é exaustiva de como acontece a volta ao trabalho fora de casa para todas as mães aqui na Alemanha, mas reúne algumas das impressões que tive.
- Poder deixar as crianças com o parceiro (porque ele está de licença)
Meu primeiro dia da volta ao trabalho fora de casa (porque continuo trabalhando como mãe, dentro de casa) foi uma transição suave. A razão: apesar de ter sido mais longo e o horário do plantão usualmente faz com que eu chegue em casa na hora de colocar as crianças na cama, o retorno não diferiu muito dos dias em que eu me despedia do marido e das meninas durante até 4 horas para escrever para o blog durante a viagem de motor-home.
Na Alemanha, tanto a mãe quanto o pai têm direito a uma licença parental de até três anos – quando a criança completa essa idade, tem um local na creche garantido por lei. Eles podem tirar essa licença ao mesmo tempo, mas só um recebe o equivalente a 65% do salário durante o primeiro ano de vida da criança (ou durante os primeiros dois, se o montante mensal da compensação do salário, paga pelo Estado, for dividida pela metade).
Por isso, normalmente o casal acaba alternando os meses em que mãe e pai ficam em casa para cuidar da criança.
Quando nasceu a minha filha mais velha, disse ao meu chefe da época que tiraria um ano de licença. Alguns meses depois do parto, a vida acabou nos atropelando e meu marido foi transferido para o Egito. Como estava de licença, decidi acompanhá-lo para não separar a família – e, quando a estadia por lá se prolongou, pude estender também a licença maternidade.
Já escrevi aqui nesse blog que tempo é luxo, e tive o luxo de ter tempo durante muito tempo. Mas fica o questionamento, também para mamães na Alemanha: e quem não tem esse luxo? E quem não recebe dinheiro o suficiente no trabalho para poder se ausentar durante muito tempo por causa da queda na renda da família?
- Pausas para amamentar ou bombear o leite previstas por lei
A lei alemã de proteção às mães está em vigor de 1952 já sofreu várias mudanças – a última delas em maio deste ano. Entre outras coisas, o texto prevê que as gestantes, por exemplo, iniciem a licença maternidade um mês e meio antes da data prevista para o parto (na Alemanha o pré-natal costuma estimular o parto normal).
Uma questão polêmica no Brasil é a amamentação: como amamentar o seu bebê por seis meses, no mínimo, se o país sul-americano prevê apenas quatro meses de licença maternidade?
Na Alemanha, as lactantes têm direitos parecidos com as gestantes, garantidos por lei. Elas não podem executar trabalhos físicos pesados, não podem trabalhar à noite nem nos fins de semana.
Além disso, podem tirar meia hora para amamentar – ou bombear leite – no mínimo duas vezes por dia, por meia hora. Também é possível negociar esses horários se a lactante quiser sair mais cedo do trabalho, por exemplo. E a lei vale tanto para mamães que acabaram de ter filhos quanto para aquelas que ainda amamentam suas crianças com dois ou três anos de idade.

- Escritório para levar as crianças
A ideia, para mim, é pior do que parece. Na empresa onde trabalho, existe o chamado Mutter-Kind-Büro, ou escritório para mães e crianças, em tradução livre.
Ainda não precisei do escritório. E, apesar de achar que é um passo da companhia em direção à possibilidade de conciliar trabalho e maternidade, acho difícil ter que me concentrar numa ligação, entrevista ou texto se minhas filhas estiverem ao lado requerendo atenção constante, o que prejudica a produtividade.
Acho que ainda prefiro a ideia do home office – onde seria possível adaptar melhor o trabalho com a vida das crianças (trabalhando enquanto elas dormem, por exemplo) – isto se elas ficarem em casa.
O ideal, na minha opinião, é criar alternativas como uma creche corporativa, com pessoal qualificado, ou seguir modelos como o de um escritório em Berlim, onde os funcionários se alternam no cuidado com as crianças – enquanto um trabalha, o outro cuida da criançada.
- Licença maternidade: o sonho e a realidade
Vivi o sonho da licença maternidade alemã: tive a liberdade de ficar três anos em casa, com meu emprego me esperando voltar – nos Estados Unidos, onde nenhuma medida de proteção às mães é obrigatória, a admiração e a inveja em relação a isso eram grandes entre as minhas amigas.
A chamada Elternzeit também é boa porque a empresa não pode demitir a funcionária ou o funcionário durante a ausência prolongada para cuidar da família, a não ser que haja um fator grave ou de força maior, como a falência da companhia.

Porém, mesmo que as alemãs tenham o luxo de tirar tanto tempo de licença, muitas não têm condições de fazê-lo (por falta de recursos financeiros, por exemplo – às vezes o parceiro não ganha dinheiro suficiente para cobrir as despesas da nova família, ou a mãe solo luta para arcar com as despesas das crianças etc.).
Conciliar carreira e trabalho também é difícil na Alemanha, um país onde a pressão social sobre as mães é grande. Ao contrário da França, onde os cuidados com as crianças também são vistos como uma tarefa do Estado e da sociedade como um todo, na Alemanha existem menos possibilidades de deixar as crianças aos cuidados de uma creche, por exemplo, quando a mãe trabalha fora de casa (os horários são difíceis de conciliar com a profissão e as vagas são muito concorridas).
- Carga reduzida de trabalho
Por causa do trabalho do meu marido, moro a 120 quilômetros do meu local de trabalho – uma distância que seria impossível de lidar se eu tivesse que trabalhar todos os dias. Mas, principalmente por causa do início das aulas das minhas filhas na creche, durante as próximas semanas, e para conciliar melhor o trabalho com a vida em família, decidi – e fui apoiada – a voltar ao trabalho em meio período – ou seja, vou ao escritório entre dois a três dias por semana.
Ter a carga de trabalho reduzida é um alívio porque me permite organizar bem meu tempo.
Ao mesmo tempo, sempre há a preocupação causada pela seguinte fórmula: menos trabalho = menos dinheiro.
E menos trabalho no escritório não significa menos trabalho em casa – também para as alemãs. Segundo um estudo publicado em junho pelo Instituto alemão de Pesquisas Populacionais citado pela edição digital do semanário Der Spiegel, a Alemanha ainda está muito longe de eliminar o estereótipo do homem como provedor da família.
Embora a participação feminina nos orçamentos das famílias tenha aumentado nos últimos 15 anos – de um quarto em 1998 para um terço em 2013 – as mulheres alemãs ainda passam muito mais tempo que os homens se dedicando a tarefas ligadas aos cuidados da casa e da família. São 87 minutos diários a mais que os papais e parceiros, o que contribui, entre outros, para o aumento da carga mental das mamães.